Por Carlos Arouck
Um perfil anônimo, uma farsa digital e o risco de ruína de toda a colaboração premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
Um mapa. Uma conta no Instagram. Uma delação sob suspeita. E uma mentira formalizada em depoimento oficial. O caso da conta @gabrielar702 escancarou o que muitos nos bastidores já desconfiavam. Mauro Cid mentiu e sua colaboração com a Justiça pode estar prestes a desmoronar.
Em meio às investigações sobre a tentativa de golpe de 2022, a defesa de Jair Bolsonaro entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um mapa de geolocalização no Setor Militar Urbano para sustar a tese de que Cid estava sendo vigiado por aliados do ex-presidente. O argumento se apoiava no fato de que a conta @gabrielar702 usada clandestinamente para discutir os bastidores da delação teria sido criada nas imediações da casa do próprio Cid.
Só que a tentativa de inverter a narrativa saiu pela culatra. As provas técnicas reunidas pela Polícia Federal e por empresas como Meta e Google não deixam dúvida: a conta foi criada, verificada e operada por Mauro Cid. E ele mentiu sobre isso em depoimento oficial.
Convocado pela PF, Cid foi direto:
“Não conheço essa conta. Nunca tive contato com ela. Não tratei do conteúdo da delação com terceiros.”
Mentiu. E foi desmascarado por provas técnicas.
E-mail de criação: é o e-mail pessoal de Mauro Cid, usado há mais de 20 anos.Telefone de recuperação: número pessoal de Cid, já apreendido pela PF. Autenticação: um segundo e-mail de Cid foi usado para verificar a conta no Instagram. IP e localização: o dispositivo usado estava na residência de Cid.
Mensagens interceptadas: mostram Cid discutindo o conteúdo da conta com um advogado prova de que ele conhecia e acompanhava o perfil.
Esses elementos desmontam por completo a narrativa apresentada por ele às autoridades.
Mentir, para um oficial do Exército, não é só uma infração técnica. É uma quebra grave de honra. Nas Forças Armadas, a honra é fundamento. O artigo 28 do Estatuto dos Militares define como princípio essencial a “lealdade, verdade, dignidade e honra pessoal.” Um oficial que mente diante da Justiça fere o núcleo ético da carreira militar. Para muitos oficiais da ativa, o que Mauro Cid fez seria indigno da farda que vestia. Além da quebra moral, a mentira pode configurar crime militar como falsidade ideológica, deslealdade no serviço ou até falso testemunho, dependendo da jurisdição.
Mesmo com provas digitais irrefutáveis, a defesa de Bolsonaro tentou inverter o jogo. Apresentou ao STF um mapa indicando que a conta foi criada próxima à casa de Cid, sugerindo que ele estaria sendo vigiado, e, portanto, coagido.
Mas a realidade mostrou que foi Cid quem criou a conta, com seus próprios dados, seu IP, seu dispositivo. Ele usou o perfil para acompanhar o conteúdo de sua própria delação enquanto fingia desconhecimento oficial.
A tentativa de virar o tabuleiro apenas expôs o que estava sendo escondido.
O que diz a lei: a delação pode ruir?
Delações premiadas, por lei, só se mantêm válidas se forem verdadeiras, coerentes e leais à Justiça. Se o delator mente como ficou provado ele corre risco real de ter o acordo totalmente anulado; Perder os benefícios penais (redução de pena, liberdade, etc.); Ser processado criminalmente por falsa comunicação ou obstrução da Justiça.
A delação de Mauro Cid pode ser descartada integral ou parcialmente, dependendo do entendimento do STF ao final do julgamento.
Se mantida, mesmo diante da mentira, a Corte terá que explicar por que um colaborador que faltou com a verdade em depoimento oficial continua sendo considerado confiável. Isso abriria um precedente perigoso: o da mentira tolerada sob a justificativa de “colaboração estratégica”.
Se a delação for derrubada, o Ministério Público perde seu principal fio narrativo contra Bolsonaro. Se for mantida, o Supremo terá de carregar o ônus de ter aceitado como delator alguém já desmentido por provas técnicas.
Enquanto isso, cresce o desgaste institucional. A colaboração que deveria servir à Justiça virou campo de batalha entre versões, perfis anônimos e jogos de bastidor.
E no centro disso tudo, está Mauro Cid: um oficial da ativa que mentiu à Justiça, à sociedade e ao próprio Exército.
A conta @gabrielar702 já não é mais um detalhe lateral. Ela se tornou símbolo de uma operação paralela de manipulação digital, usada para influenciar um processo judicial sob a aparência de legalidade.
Cid operava dentro da delação e fora dela mentindo de um lado, agindo do outro. A mentira foi revelada. A quebra de honra está registrada.
A questão agora é: a Justiça vai ignorar?