Brasil falha com mulheres, crianças e adolescentes

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A crise educacional por trás do feminicídio e da morte de jovens

 

Por Simone Salles

 

O Brasil continua um país violento para as mulheres. O feminicídio atingiu seu pico histórico em 2024,  mesmo ano do endurecimento das penas. Foram 1.492 casos registrados, o que corresponde a uma média de quatro mulheres assassinadas por dia. O perfil predominante dos agressores, companheiros e ex-companheiros, destaca a natureza íntima da violência e a falha em proteger as mulheres dentro de seus próprios lares e relacionamentos.

Milhares de pessoas se mobilizaram em um ato nacional realizado em 20 estados, motivado por esse avanço alarmante dos feminicídios no país. O episódio mais recente ocorreu na sexta-feira (5/12), quando a cabo do Exército Maria de Lourdes Freire Matos foi morta por um soldado dentro de um quartel. Outro caso que chocou o país foi o de Tainara Souza Santos, 31 anos, atropelada e arrastada por cerca de um quilômetro por seu agressor em São Paulo, no dia 29 de novembro. Ela teve as pernas amputadas.

Essa alta incidência sugere que as campanhas e o conhecimento sobre a lei, como a Lei Maria da Penha e suas penalidades não estão sendo eficazes o suficiente para mudar o comportamento e a mentalidade dos potenciais ofensores. Aponta, ainda, para uma falha sistêmica que vai além da punição,  além da resposta policial imediata. Não é apenas um problema de segurança pública ou de falha da justiça, mas sintoma de uma crise educacional.

Passa por políticas de prevenção e educação de base, essa última sendo a ferramenta de longo prazo mais poderosa como alternativa ao crime, capaz de melhorar o horizonte de vida da população, em especial dos jovens.

A megaoperação realizada nos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, expôs mais uma vez a dinâmica de violência que captura e devolve jovens ao mesmo cenário que deveria afastá-los. O abandono estrutural que afeta adolescentes e a “inclusão perversa” que os empurra para o tráfico chama cada vez mais atenção. Muitos jovens apreendidos ainda menores passam pelo sistema socioeducativo, são liberados e, em vez de retornarem à sociedade com novas perspectivas, acabam reabsorvidos pelo crime, repetindo um ciclo que o Estado não consegue romper. 

O resultado de várias edições da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), produzidas pelo IBGE, revela que os estudantes brasileiros reportaram uma alta prevalência de violência sofrida. Esse crescimento da violência contra crianças e adolescentes também ocorre exatamente nos ambientes em que elas deveriam estar sendo protegidas, nos lares e na escola.

As notificações de violências não letais apresentaram tendência de crescimento na última década, nas quatro categorias apresentadas – negligência, violência física, psicológica e sexual. Infantes são as principais vítimas de negligência (61,4%), crianças são a maioria das vítimas de violência psicológica (54,8%) e sexual (65,2%) e adolescentes são as principais vítimas de violência física (58,2%).

Além da violência em si perpetrada seja por familiares, crianças e adolescentes que vivem nesses ambientes podem sofrer com ansiedade e depressão. Esses problemas são agravados por estigmas sociais, ou pela falta de compreensão, o que pode piorar a saúde mental desse grupo. Um reflexo é o crescimento no número de crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos que se suicidaram.

Enquanto o Brasil registrou em 2024 uma queda de 5,4% nas mortes violentas intencionais, chegando a 44.127 casos e taxa de 20,8 por 100 mil habitantes, patamar mais baixo da série histórica do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o cenário para adolescentes e jovens permanece dramático. Em 2023, segundo o Atlas da Violência, 21.856 jovens entre 15 e 29 anos foram vítimas de homicídio. São cerca de cinco a cada duas horas, correspondendo a 47,8% de todos os homicídios registrados no país. 94% das vítimas eram do sexo masculino.

Essa dissociação entre a melhora estatística geral e o aumento da violência juvenil revela falhas múltiplas. A escola aparece como eixo central desse problema. Os casos internacionais evidenciam alguns exemplos. Na Finlândia, com universalização escolar e 80% dos adultos com ensino superior, a taxa de homicídios caiu de 1,4 para 0,7 por 100 mil habitantes nas últimas três décadas. É um dos países mais educados, seguros e com baixos índices de criminalidade do mundo.

Na Coreia do Sul, o nível de homicídios permanece abaixo de 1,5 por 100 mil habitantes e os resultados de avaliação escolar estão entre os mais elevados do mundo. Esses países apontam que quando a educação cumpre seu papel, a polícia precisa agir menos.

No Brasil, esse elo ainda está longe de se concretizar: 40% dos homicídios são cometidos por jovens de 15 a 24 anos. Especialistas alertam que o adolescente não é mais criança, mas ainda não é adulto, e que sua imaturidade emocional e cerebral  torna essa fase suscetível à influência, ao aliciamento por grupos criminosos e à negligência do próprio sistema. No sistema socioeducativo do Distrito Federal, por exemplo, 1.107 adolescentes estão em acompanhamento nos regimes de internação, semiliberdade e meio aberto, com acesso a atividades escolares ou cursos profissionalizantes, estágios e apoio psicossocial. Críticos afirmam que a efetividade é questionável. O foco na educação e reabilitação precisa ganhar escala, consistência e articulação com inserção social real para quebrar o ciclo de criminalização precoce.

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