Por Carlos Arouck
O elemento central do caso diluído por discursos políticos e decisões monocráticas é simples: todas as medidas restritivas impostas a Bolsonaro desde julho de 2025 carecem de fundamento jurídico. A tornozeleira eletrônica, a prisão domiciliar e a atual prisão preventiva foram decretadas sem o preenchimento dos requisitos legais previstos no Código de Processo Penal. Inserem-se em um contexto que reforça a percepção de aplicação seletiva da lei com o intuito de limitar a atuação de um setor específico do espectro político, no caso o conservadorismo, que representa parcela expressiva do eleitorado brasileiro.
A primeira medida foi imposta em 11 de julho de 2025, com o monitoramento eletrônico determinado no âmbito do Inquérito 4.922. O processo investiga supostas ações de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, mas Jair Bolsonaro jamais foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República. Até novembro de 2025, ele permanece apenas como investigado, sem qualquer ação penal instaurada. O Código de Processo Penal exige, para a aplicação de cautelares como o monitoramento eletrônico, (a) prova da existência do crime, (b) indícios suficientes de autoria e (c) demonstração concreta de risco à instrução criminal, à ordem pública ou de fuga. Em julho, nenhum desses requisitos estava presente. O único fundamento invocado — “contatos internacionais” — não passava de alegação genérica, sem qualquer indício fático concreto. Criou-se, assim, uma presunção de culpabilidade incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência.
Em 20 de agosto de 2025, a medida foi agravada e convertida em prisão domiciliar com tornozeleira. A decisão baseou-se em supostos descumprimentos, como publicações indiretas e contatos com outros investigados. Contudo, uma cautelar ilegal desde a origem contamina todas as medidas subsequentes, nos termos da doutrina do “fruto da árvore envenenada”: ato nulo gera atos nulos derivados. A prisão domiciliar só é admitida em hipóteses taxativas (idade avançada com grave debilidade comprovada, gestação, responsabilidade por menor com deficiência ou doença incurável etc.). Aos 70 anos, Bolsonaro não se enquadra em nenhuma dessas situações sem laudo pericial robusto, que nunca foi apresentado. O agravamento, portanto, também carecia de fundamento legal.
O terceiro ato ocorreu em 22 de novembro de 2025, com a decretação da prisão preventiva. A lei exige, para tanto, fato novo, contemporâneo e concretamente demonstrado que indique risco real à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. A decisão fundamentou-se em suposta violação da tornozeleira às 0h08 e em alegado risco de fuga decorrente de vigília convocada por aliados. Ora, se a tornozeleira era ilegal desde o início, não pode haver descumprimento válido. A defesa comprovou que o episódio decorreu de oscilação técnica do equipamento, enquanto Bolsonaro permanecia sob vigilância permanente da Polícia Federal. O próprio STF possui precedentes firmes no sentido de que prisão preventiva exige causa nova e autônoma, o que manifestamente não ocorreu.
A prisão, ocorrida no sábado, dia 22, número do partido nas urnas, levantou suspeitas de um planejamento minucioso. Aliados interpretaram a escolha do fim de semana como uma manobra para evitar tumultos nas instituições federais. Tais impressões foram reforçadas por rumores de que o local de detenção já estava previamente preparado, e pela presença da imprensa posicionada em frente à sede da Polícia Federal desde a véspera da decretação da medida.
O conjunto desses episódios reforça a percepção de seletividade jurídica. Inquéritos contra Bolsonaro avançam em ritmo acelerado, enquanto processos envolvendo figuras do atual governo tramitam lentamente ou são arquivados. O isolamento político foi intensificado por proibições de contato, viagens e articulações políticas. Essas são medidas raríssimas contra quem não tem sequer denúncia formal recebida. A associação das investigações às tensões diplomáticas e econômicas Brasil–Estados Unidos acabou por ampliar o alcance das decisões judiciais, com reflexos diretos no cenário político interno. Para renomados juristas, o efeito prático é a redução drástica do espaço de atuação de um movimento político relevante, configurando o uso do aparato estatal como instrumento de contenção ideológica.
O debate que se impõe agora é o da imediata restauração dos parâmetros constitucionais, mediante revisão colegiada dessas decisões, para preservar a credibilidade das instituições e garantir a sobrevivência da pluralidade democrática no Brasil.
A análise técnica das três etapas – monitoramento eletrônico, prisão domiciliar e prisão preventiva – converge para uma única conclusão: nenhuma das medidas atende aos requisitos legais. Em um sistema jurídico minimamente funcional, Jair Bolsonaro estaria em liberdade plena, respondendo aos inquéritos sem qualquer restrição cautelar. Ele sequer estaria usando tornozeleira.
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