O preso político que não fugiu

Compartilhar:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
[views count="1" print= "0"]
Foto: Reprodução
[tta_listen_btn listen_text="Ouvir" pause_text="Pause" resume_text="Retomar" replay_text="Ouvir" start_text="Iniciar" stop_text="Parar"]

 

Jair Bolsonaro está a um passo da prisão. Não é delírio bolsonarista: é o que dizem os próprios ministros do STF, em votos já proferidos, e o que repetem os procuradores da República em petições sucessivas. Em setembro de 2025, a Primeira Turma do Supremo o condenou a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e outros crimes contra a democracia. A pena que, rejeitados os recursos em novembro, pode levá-lo à Papuda ou a uma cela especial, dependendo da decisão de Alexandre de Moraes. A inelegibilidade até 2030 já veio antes, por abuso de poder político. Agora vem a cela, possivelmente em regime fechado, com direito a prisão domiciliar só se a saúde piorar.

Em um país em que réus graúdos costumam escolher o exílio dourado (ou pelo menos o silêncio estratégico em Miami, Lisboa ou Orlando), Bolsonaro desembarcou em Brasília, proveniente de Orlando, olhou para a tempestade judicial e disse: “Eu fico”. Ficou para ser vaiado, algemado se for o caso, para ver o circo pegar fogo de perto.

Essa decisão já o coloca em um lugar que nenhum outro político brasileiro contemporâneo ocupou. José Dirceu preferiu negociar a delação. Eduardo Cunha tentou a fuga cinematográfica e foi pego no aeroporto. Michel Temer passou a noite na cadeia e depois se recolheu ao silêncio dos livros e das entrevistas pagas. Lula, quando esteve na iminência da prisão em 2018, cogitou asilo na embaixada da Itália (rejeitado) e só não saiu do país porque o cerco já estava fechado.

Bolsonaro teve três meses nos Estados Unidos, passaporte diplomático na mão, filhos instalados, conta bancária recheada e zero extradição à vista. Bastava ficar. Ninguém o chamaria de covarde; ao contrário, diriam que foi “estratégico”. Mas ele voltou. Isso destroi todas as narrativas prontas.

A narrativa número um, martelada 24 horas por dia, é a do “covarde que foge da Justiça”. Não cola. A narrativa número dois é a do “egoísta que só pensa na família”. Também não fecha: se o objetivo fosse blindar os filhos, a Flórida era o melhor escudo possível. A narrativa número três é a do “louco perigoso que precisa ser contido a qualquer custo”. Isso não explica por que ele próprio se entrega ao cadafalso.

O que sobra é algo incômodo: o cara tem uma fibra que a política brasileira, há décadas, não produzia. Pode ser teimosia, orgulho ferido, missão messiânica, cálculo frio de mártir. Mas covardia não é. Irrita os adversários porque quebra o enredo fácil do “ditador fugitivo”. Irrita parte dos aliados porque transforma Bolsonaro no símbolo máximo da resistência, quando muitos prefeririam que ele fosse apenas o cabo eleitoral que entrega votos e fica quieto no canto. A prisão dele, hoje, é sustentada menos pelos desafetos (que já o consideram politicamente morto) e mais por alguns aliados que precisam do mártir para unificar a tropa. Querem o Bolsonaro preso, algemado na foto, querem os votos dele, mas sem o protagonismo que ele inevitavelmente traz.

Mas, enquanto o ex-presidente encara o pelotão, o outro lado do espectro político não escapa do escrutínio. O governo Lula, que prometeu moralidade e reconstrução, afunda em escândalos que ecoam os velhos tempos do PT. O mais recente é a Operação Sem Desconto, que explodiu em 2025. Trata-se de um esquema bilionário de fraudes no INSS, com desvios estimados em R$ 6 bilhões entre 2019 e 2024, envolvendo descontos indevidos em aposentadorias de velhinhos vulneráveis.

O dono do Banco Master, Daniel Vorcaro, foi preso como líder do golpe, mas o que assusta é o elo com o Planalto. Alessandro Stefanutto, ex-presidente do INSS nomeado por Lula em 2023 e indicado pelo PDT de Carlos Lupi (então ministro da Previdência), foi preso na operação que investiga o esquema de descontos ilegais em aposentadorias e pensões do INSS. Um sindicato ligado ao irmão do presidente, Frei Chico, vice-presidente do Sindnapi, aparece nas investigações, alimentando a CPMI do INSS que já derrubou Lupi.

Não para por aí. Em novembro, a Operação Coffee Break mirou bem perto da família: Carla Ariane Trindade, ex-nora de Lula (ex-mulher de Marcos Cláudio, filho da ex-primeira-dama Marisa), foi alvo de buscas por tráfico de influência no MEC, abrindo portas para a Life Tecnologia Educacional, empresa que faturou R$ 70 milhões em contratos superfaturados de kits e livros didáticos para prefeituras paulistas. Ao lado dela, Kalil Bittar, ex-sócio de Lulinha (Fábio Luís) na Gamecorp da Lava Jato, atuava como lobista, usando o sobrenome presidencial para liberar verbas do FNDE. Lula permanece em silêncio, enquanto a PF revela ter “poucas dúvidas” de pagamentos em espécie à sua nora.

Desde 2023, o governo bloqueou R$ 4,4 bilhões da Saúde em 2024, R$ 1,2 bilhão da Educação, mais R$ 3,8 bilhões em 2023 que paralisaram hospitais, Farmácia Popular e livros didáticos. Faltam verbas para as prioridades. As projeções para 2027 contemplam um déficit de R$ 10,9 bilhões só para cumprir os pisos constitucionais, comprimidos pelo arcabouço fiscal que Lula mesmo aprovou. É o “retorno do velho modo petista”, como diz o ex-procurador Deltan Dallagnol: loteamento do Estado para aliados, corrupção como consequência inevitável.

A incoerência grita mais alto que nunca. Enquanto isso, lá fora, Nayib Bukele transforma El Salvador no país mais seguro das Américas prendendo 1% da população adulta e jogando a chave fora, e o centro democrático brasileiro aplaude de pé o “milagre”. Aqui, quando se fala em prender um ex-presidente sem crime de sangue, o mesmo centro faz cara de paisagem e repete que “instituições estão funcionando”. Mas e os desvios no INSS? E a família de Lula no MEC? E os cortes que deixam crianças sem livros e velhos sem remédios?

No fim, Bolsonaro pode até ir para a cadeia. Mas a imagem que ficará não será a do covarde que fugiu, nem a do genocida que alguns desenharam. Será a do homem que teve a chance de sumir e preferiu voltar para encarar o sistema que, enquanto persegue uns, protege os seus.

Isso é raro na política tradicional feita de fugitivos, delatores, sobreviventes que escolhem sempre o caminho mais confortável – e de escândalos que, de um lado ou outro, devoram a credibilidade de todos.

Mais lidas

O preso político que não fugiu
STF ordena prisão de Alexandre Ramagem
Ex-presidente do BRB retorna e se dispõe a...
...