PL Antifacção: por que equiparar facções criminosas a grupos terroristas é um erro perigoso

Compartilhar:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
[views count="1" print= "0"]
Foto: Divulgação
[tta_listen_btn listen_text="Ouvir" pause_text="Pause" resume_text="Retomar" replay_text="Ouvir" start_text="Iniciar" stop_text="Parar"]

 

 

Por: Vinicios Cardozo

 

O que separa o crime do terror

A diferença entre o crime organizado e o terrorismo não está apenas no nome, mas na motivação.

As facções criminosas — como o PCC e o Comando Vermelho — são estruturas voltadas ao lucro, funcionando como organizações empresariais ilícitas que buscam dinheiro por meio do tráfico, contrabando e domínio territorial.

Já o terrorismo é movido por motivação ideológica, política ou de ódio (religioso, racial, etc.). Seu objetivo é gerar pânico generalizado e forçar mudanças políticas ou subverter a ordem do Estado.

A Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016) foi criada exatamente para punir esse tipo de motivação. O substitutivo do PL Antifacção tenta justificar a equiparação dizendo que os efeitos das facções — medo e violência — são parecidos com os do terrorismo.

O problema é que, ao ignorar a motivação e focar apenas no resultado, o projeto banaliza o conceito de terrorismo. Ele aplica uma lei feita para combater ameaças políticas e ideológicas a crimes econômicos e organizacionais, criando uma confusão jurídica perigosa.

As implicações dessa mudança vão muito além do simbolismo de “endurecer a lei”.

A lógica do clamor popular e o risco de erro

A tramitação do PL Antifacção expõe um fenômeno recorrente no Legislativo brasileiro: a reação apressada a fatos sociais, que resulta em projetos sem base conceitual sólida, focados apenas no aumento de penas.

Um exemplo recente dessa falta de rigor técnico foi a inclusão, no texto do substitutivo, de uma medida que limitava a atuação da Polícia Federal, exigindo aval do governador para operações conjuntas. A proposta foi duramente criticada pela PF e pelo Governo Federal como um “retrocesso” que inviabilizaria investigações cruciais — o que forçou o relator a recuar.

Esse episódio ilustra como, na ânsia de dar uma resposta rápida ao clamor popular, o legislador pode criar leis com efeitos contrários aos desejados.

Um precedente histórico e desastroso dessa lógica ocorreu com a alteração do artigo 157 do Código Penal (roubo), no Pacote Anticrime, proposto pelo então ministro Sergio Moro.
Na tentativa de endurecer a punição, a inclusão da expressão “arma de fogo” no texto levou à revisão e redução de penas de inúmeros condenados por uso de outros tipos de arma.

Agora, o mesmo risco se repete: a equiparação de facções criminosas ao terrorismo não apenas é um erro conceitual, mas pode gerar consequências jurídicas não intencionais e desastrosas, como:

1. Penas extremas e desproporcionais

O projeto prevê aumento da pena para o crime de terrorismo (e, por extensão, para condutas equiparadas) para 20 a 40 anos de prisão — o máximo permitido pelo Código Penal.
Aplicar punições idênticas a crimes de natureza distinta viola o princípio da proporcionalidade e abre espaço para contestações judiciais.

O endurecimento penal, isoladamente, não resolve o problema da segurança pública; ao contrário, tende a tornar o sistema mais rígido e menos justo.

2. Risco de perda de controle e de soberania

Ao classificar facções como terroristas, o Brasil redefine um problema interno de segurança pública como uma questão de segurança internacional.
Isso pode abrir caminho para que nações estrangeiras pressionem — ou até tentem intervir — sob o pretexto de combater o terrorismo transnacional, comprometendo a autonomia e a soberania nacional.

3. Justiça sobrecarregada e risco de exceção

Crimes de terrorismo são julgados pela Justiça Federal e seguem rito processual mais severo, com menos garantias aos réus.
Transferir milhares de casos de facções para essa esfera sobrecarregaria o sistema e poderia restringir direitos fundamentais, aproximando o país de um regime de exceção — algo vedado pela Constituição.

O caminho certo: inteligência e asfixia financeira

O combate eficaz às facções criminosas não depende da criação de um “supercrime” com penas altíssimas.
A solução está em fortalecer a Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013), investir em inteligência policial, cooperação institucional e na asfixia financeira desses grupos.

É preciso cortar o fluxo de dinheiro que sustenta as facções, e não apenas prolongar o tempo de prisão de seus integrantes.

A insistência em equiparar facções criminosas ao terrorismo é um atalho perigoso que sacrifica a clareza jurídica e a proporcionalidade em nome de um simbolismo político.

O Congresso Nacional precisa agir com responsabilidade técnica e constitucional, rejeitando simplificações e buscando soluções estruturais, capazes de enfraquecer o crime organizado sem comprometer os fundamentos do Estado de Direito.

Vinicios Cardozo – Advogado Criminalista, sócio fundador do GMP | G&C – Advogados Associados, especialista em Ciências Criminais.

Mais lidas

Flamengo renova com Filipe Luís até 2027
Sancionada lei que obriga apps de transpor...
Mais de 150 mil segurados do INSS receberã...
...