A guerra não declarada: o tráfico, os exércitos e o poder

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Foto: Secretaria da Segurança Pública
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O continente sitiado entre as drogas e a dissuasão

 

Por Carlos Arouck

 

A América do Sul vive um dos momentos mais tensos de sua história recente. Sob o peso de crises políticas, narcotráfico e disputas de poder, o continente tornou-se palco de uma escalada geopolítica que envolve o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o venezuelano Nicolás Maduro, o colombiano Gustavo Petro e o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.

No centro do tabuleiro, o Cartel de los Soles — suposta rede de narcotráfico controlada por oficiais do regime chavista — reacende temores de uma intervenção americana, enquanto facções como o PCC e o Comando Vermelho expandem suas operações além das fronteiras brasileiras. A combinação de pressões militares, disputas diplomáticas e fluxo incessante de drogas forma um caldeirão pronto para explodir das fortalezas coloniais de Cartagena às selvas amazônicas compartilhadas por Brasil e Venezuela.

A crise ganhou corpo em agosto de 2025, quando Trump ordenou o envio de navios de guerra, submarinos e mais de 4.500 militares para o Caribe, sob o pretexto de combater “cartéis terroristas”. O principal alvo: o Cartel de los Soles, que Washington acusa Maduro de chefiar pessoalmente.

Entre setembro e outubro, ataques aéreos a embarcações suspeitas de tráfico resultaram em 37 mortos, segundo a imprensa colombiana. Trump classificou as ações como parte de uma “guerra armada contra o narcotráfico”, prometendo “fogo e fúria” se Maduro não recuar.

Analistas, porém, veem além do discurso antidrogas: o deslocamento de caças F-35 para Porto Rico e os exercícios navais nas imediações da Venezuela sugerem uma estratégia de mudança de regime, reminiscente das tentativas fracassadas de 2019.

Maduro reagiu mobilizando 15 mil soldados para as fronteiras com a Colômbia, além de milícias civis e voluntários. “Não há como invadir a Venezuela”, declarou o presidente, enquanto o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, advertia: “Preparem-se para o pior”.

O regime realizou exercícios com sistemas S-300 russos e simulacros de defesa aérea, numa tentativa de dissuadir ataques e reforçar a coesão interna após as eleições de 2024, amplamente contestadas.

Apesar de figurar como a 50ª força militar do mundo segundo o Global Firepower Index, a Venezuela enfrenta limitações logísticas graves, o que a tornaria vulnerável a uma campanha de mísseis de precisão.

No epicentro diplomático está Gustavo Petro, o primeiro presidente de esquerda da história colombiana. O ex-guerrilheiro denunciou os ataques americanos como “assassinatos extrajudiciais de jovens pobres” e pediu à ONU que investigue Trump por crimes internacionais.

A resposta da Casa Branca foi imediata: Trump chamou Petro de “traficante ilegal de drogas”, suspendeu bilhões em ajuda militar e econômica à Colômbia e ameaçou tarifas sobre café e flores. Petro reagiu revogando o visto de Trump para colombianos e mobilizando tropas na fronteira.

“Não somos colônia de ninguém”, afirmou o presidente, ecoando a retórica anti-hegemônica que o consagrou.

A Colômbia, maior produtora de cocaína do mundo, é peça-chave da crise. O Departamento de Estado dos EUA acusa Petro de falhar no combate às plantações e de permitir a expansão de grupos como o ELN, responsável por massacres como o de Catatumbo, em janeiro.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva adota postura de que após um lado. Embora não reconheça a reeleição de Maduro nem tenha apoiado seu retorno ao BRICS, o Brasil entra em confrontos diretos com Washington.

Lula inaugurou, em Manaus, ao lado de Petro, um centro policial conjunto contra o narcotráfico na Amazônia — e alertou Trump sobre o “risco de escalada” durante uma conversa telefônica.

O Exército brasileiro reforçou as fronteiras em Roraima, onde o fluxo migratório venezuelano e a atuação de facções como PCC e CV elevam o risco de instabilidade.

A guerra invisível do narcotráfico se entrelaça à crise política. O PCC, com receita estimada em US$ 1 bilhão anuais, mantém parcerias com a máfia italiana ’Ndrangheta para exportar cocaína via África Ocidental. Já o Comando Vermelho, com cerca de 30 mil integrantes, domina o Rio de Janeiro e disputa o controle da Amazônia.

Esses grupos, junto com dissidentes das FARC, exploram rotas fluviais como o Rio Solimões, hoje conhecida como a “Rota da Seda Latina” do tráfico. A migração forçada de 7,7 milhões de venezuelanos tornou-se mão de obra para o crime, alimentando redes de extorsão e contrabando.

Em Cartagena, o antigo Castillo San Felipe de Barajas, erguido no século XVII para repelir piratas, tornou-se metáfora viva da nova ameaça. Drones e patrulhas americanas substituem canhões e velas, lembrando que o inimigo agora não vem do mar, mas do submundo das drogas e da corrupção.

O nome Cartel de los Soles vem dos distintivos dourados usados por oficiais da Guarda Nacional venezuelana e simboliza a fusão entre o poder militar e o crime organizado.

Criado nos anos 1990, o grupo expandiu-se sob Hugo Chávez, consolidando-se durante o governo Maduro como uma rede de corrupção e patronagem criminal. Em 2020, o Departamento de Justiça dos EUA acusou Maduro e 14 aliados por narcoterrorismo. Em 2025, o Tesouro americano o classificou como Organização Terrorista Global, oferecendo US$ 50 milhões por sua captura.

Diferente de cartéis hierárquicos como o de Sinaloa, o dos Sóis opera como um sistema difuso de células corruptas dentro das Forças Armadas e instituições civis, movido por alianças oportunistas.

Desde janeiro de 2025, o governo Trump ampliou a lista de organizações latino-americanas classificadas como terroristas, autorizando ações militares diretas e congelamento de ativos.

Entre os dez grupos listados estão o Tren de Aragua (Venezuela), o Cartel de Sinaloa (México), o CJNG, a MS-13, e o próprio Cartel de los Soles. A medida abriu caminho para as operações navais no Caribe e para acusações de execuções sumárias e violação de soberanias nacionais.

O secretário de Defesa, Pete Hegseth, declarou:

“Esses cartéis são a Al-Qaeda do nosso hemisfério. Nós os caçaremos e os destruiremos.”

Críticos, como Petro, veem nisso um pretexto para intervenção e alertam que a militarização pode reproduzir o desastre do Panamá em 1989.

Com Trump prometendo novos ataques terrestres e Maduro mobilizando milícias, a tensão cresceu a ponto de o Itamaraty emitir alerta máximo.

Fontes diplomáticas afirmam que Lula pretende dizer claramente a Trump que o Brasil não apoiará qualquer tipo de intervenção em território venezuelano, defendendo o diálogo entre vizinhos e a soberania latino-americana.

No Caribe, o Castillo San Felipe permanece de pé. Mas, como lembram historiadores locais, fortalezas antigas caem não apenas com bombardeios e sim quando o inimigo se infiltra por dentro. A verdadeira guerra da América do Sul, ao fim, talvez não seja entre Trump e Maduro, mas contra os cartéis que corroem suas nações de dentro para fora.

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