Por Miguel Lucena
Dizem que no Brasil nada se cria, tudo se copia — e ainda se paga em dez vezes sem juros. Pois não bastava a mercantilização do afeto em aplicativos de namoro, agora inventaram o “personal friend”, ou, para os mais íntimos da língua nativa, o “amigo de aluguel”.
Funciona assim: você acessa um site, escolhe o modelo — amigo falante, amigo ouvinte, amigo discreto, amigo que concorda com tudo, amigo que discorda só para dar emoção — e paga por hora. É o Uber da camaradagem. Nada de confidências gratuitas, nada de cerveja dividida no boteco por solidariedade. Cada minuto é tabelado, como se fosse taxímetro de afeto.
O cliente escolhe o pacote:
Happy hour básico: duas risadas e três concordâncias.
Premium Weekend: amigo disponível para carregar compras no shopping e elogiar sua escolha de roupa.
Deluxe Terapêutico: aquele que segura sua mão no velório e ainda posta no Instagram uma foto com legenda sensível.
Claro, há cláusula de rescisão: se você insistir em contar a mesma história três vezes, o amigo pode cobrar hora extra. Afinal, amizade de aluguel também tem limites.
A moda pegou entre os que confundem “like” com afeto. Antigamente, bastava vizinho, primo, colega de futebol. Hoje, amizade exige cartão de crédito aprovado. Se continuar assim, logo teremos o “namorado on demand”, o “filho temporário” e até a “mãe delivery”, que chega de moto com um abraço e uma sopa de galinha quentinha.
E pensar que outrora a amizade era gratuita, espontânea, nascida de um acaso qualquer — um desentendimento na fila do banco ou uma partida de dominó na calçada. Agora, o afeto virou commodity, sujeito a nota fiscal eletrônica.
Se Aristóteles vivesse neste tempo, talvez reescrevesse a Ética a Nicômaco com tabela de preços em anexo.