MANUAL DE FABRICAÇÃO DE UM MITO TORTO

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Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 10 de agosto de 2025

Pindorama, durante uma década, conviveu com a explicitação pública de enormes esquemas de corrupção. As investigações policiais e processos judiciais apontaram um forte envolvimento das forças políticas ligadas ao Presidente progressista Lalor Inário com as sérias malversações de recursos públicos.

Considerando o contexto de profundo desgaste político do Presidente Lalor Inário e seus aliados, o Deputado Tairo Costanaro buscou ouvir Estevão Banone acerca da construção de um projeto político-eleitoral vigoroso e com forte probabilidade de sucesso.

Tairo Costanaro ostentava uma trajetória pra lá de controversa. No seu currículo apareciam: a) insubordinação na vida militar, inclusive com prisão; b) tenebrosas ligações com milícias; c) dezenas de operações imobiliárias profundamente suspeitas; d) ampla utilização de “rachadinhas” em gabinetes parlamentares; e) defesa de variados tipos de violência e f) exaltação explícita de ditaduras e torturadores. Já Estevão Banone figurava como um dos mais importantes estrategistas de um campo político comprometido com os piores valores humanos, entre eles: a) supressão da democracia; b) desprezo pelos direitos humanos; c) negacionismo, notadamente em relação à crise climática e d) compromisso com mecanismos extremos de mercado voltados para o aprofundamento das desigualdades socioeconômicas.

Em uma longa conversa, Banone sugeriu que Costanaro, na ocasião acompanhado por seus seis filhos, iniciasse um movimento político baseado nas seguintes premissas:

a) tomar como base a dicotomia bem versus mal, rasa e limitada, mas profundamente eficiente. A luta do bem contra o mal é uma ideia arraigada no imaginário da grande maioria das pessoas;

b) apontar claramente quem significa o mal. O momento político de extrema exposição de escândalos de corrupção seria particularmente promissor. Assim, Costanaro deveria colar a expressão do mal mais repugnante no Presidente Lalor, seu partido, nas esquerdas de forma geral, no movimento LGBT, no Judiciário e no indefinido “sistema”;

c) colocar-se como líder imaculado (“que nunca roubou um centavo”) da cruzada contra o mal. Vender a noção de que o condenável seria “somente” matar ou roubar, deixando completamente esquecidas todas as demais ilicitudes previstas na ordem jurídica;

d) vestir a fantasia de defensor incansável da família, da propriedade e do patriotismo (esse último, um conceito vazio, mas com forte apelo emocional);

e) associar a sua imagem às principais religiões e igrejas em operação, notadamente ao movimento neopentecostal em acelerado crescimento;

f) imprimir, explícita ou implicitamente, a tudo que você fizer ou disser a marca de uma ação do bem contra o mal;

g) explicitar que tudo, rigorosamente tudo, que vier do “outro lado” é o mal a ser combatido. É preciso afirmar que toda e qualquer medida ou providência gestada no “outro lado” pode parecer positiva, mas esconde uma finalidade maléfica;

h) coloque-se como vítima do “sistema”. Se puder encontrar um nome e um rosto para a perseguição terá o máximo de eficiência em assumir esse papel;

i) manter sempre um conflito em andamento. Esse expediente mobiliza a base de incautos e permite atribuir culpas escondendo erros e falhas, inclusive de governo;

j) alimente-se das maiores mazelas do país. As desigualdades, inseguranças, medos, frustrações em relação à baixa qualidade/retorno dos serviços públicos, corrupção sistemática e desesperanças devem ser cuidadosamente atribuídas ao “sistema” que você combate dia e noite. Você não precisa, nem deve, resolver nenhum desses problemas. Basta surfar a onda da pseudo-contestação. Ninguém, ao menos nas suas bases de apoio mais radicais, vai perceber que você faz parte visceral do “sistema”;

k) criar um ambiente confortável para seus apoiadores. Estimule a criação de grupos de mensagens onde circularão conteúdos de propaganda e reforço de suas posições. Desenvolver uma visão crítica sobre a política e o mundo demanda esforços de leituras e estudos. Seus seguidores não são inclinados a realizar essas atividades e a entrega de tudo “mastigado” praticamente elimina maiores questionamentos;

l) montar uma ou várias centrais de produção e disseminação de notícias falsas (fake news). Faça isso em quantidades gigantescas. Não se preocupe com checagens de veracidade. Expedientes de verificação não serão tão rápidos e eficazes diante da quantidade e velocidade de produção e propagação das mentiras. Os danos às imagens dos inimigos são certos. Um ponto importante: defenda a liberdade absoluta de manifestação (suporte para todo tipo de barbaridade inventada);

m) atribuir qualquer insucesso eleitoral a fraudes ocorridas nos sistemas informatizados responsáveis pelo tratamento dos votos;

n) não se preocupe com o surgimento de forças políticas consequentes fora da polarização do bem contra o mal. Ao manter permanentemente esse embate você atrai as forças conservadoras e de outras matizes para o seu campo de ação política. Fortaleça sempre o “nós contra eles”.

Costanaro fez uma pergunta crucial para Banone. Até onde posso esticar a corda? Posso organizar um golpe contra a democracia e as instituições, na hipótese de perder as eleições? Posso atuar contra os interesses nacionais, em associação com governos estrangeiros, em um verdadeiro ato de traição e atentado à soberania?

Banone foi categórico. Disse: “não só pode, como deve. A perseguição de seus interesses pessoais e políticos não deve encontrar freios ou limites”. Lembrou Maquiavel: “Jamais faltaram a um príncipe razões legítimas para justificar a sua quebra da palavra”. Se as bases de seu movimento forem bem lançadas suas ações serão sempre batalhas necessárias na luta contra o mal (a “razão mais legítima”). A “culpa” de todo e qualquer efeito negativo recairá sobre os artífices do mal.

Tairo Costanaro saiu animado da conversa. Dias depois do encontro começou a conformar um movimento, seguindo os conselhos de Banone. Pindorama estava prestes a viver anos turbulentos.

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